Ao contrário da generalidade das pessoas, gosto muito das viagens de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Quarenta minutos. Sem a infelicidade das buzinas e dos canos de escape: a maior parte do tempo em paisagem campestre.
A viagem é um dos poucos momentos do dia em que estou só. Mecanicamente ocupada com a condução e com a mente livre para divagar.
Hoje fui para lá a pensar num grupo organizado para votar em branco. Que ideia interessante! Com campanha e tudo.
Mas a magia surgiu no regresso a casa. Apanhei a entrevista das 19h na TSF. Germana Tânger. Amiga de Almada Negreiros. Ela própria um ser imenso. Almada escolheu-a para declamar os seus poemas e foi ele que organizaou, em 1959, uma homenagem a Pessoa onde ela declamou a Ode Marítima.
Pois bem, um daqueles momentos!
Um privilégio ouvir alguém falar de Almada Negreiros tendo convivido de tão perto com ele. Fiquei a saber que costumava "hibernar" em Novembro: metia-se na cama e só saía no fim do Inverno. Nesse meio tempo, dedicava-se à Geometria ( para desespero de Sara, a sua mulher ), à procura DO número - esta seria a sua grande obcessão.
A seguir Germana fala da sua paixão pela poesia de Pessoa e, quando o entrevistador lhe pede para dizer um poema, ela escolhe Aniversário de Álvaro de Campos...
Não posso descrever. Não tenho capacidade para o fazer. Sei que a dada altura, não complicasse isso demais a minha condução, toda a SAUDADE desse poema me deu uma vontade enorme de chorar. Ela chorou ao declamá-lo.
É nestes momentos que sinto que o mundo tem um coração e que ele bate ao ritmo do meu por uns instantes.
Se calhar não vou resistir a pôr aquele poema enorme, com um
tamanho tão desajustado a um blog, aqui no sítio da saudade.