terça-feira, janeiro 02, 2024

Síndroma do olho eletrónico

É impossível fazer uma reportagem da nossa vida e vivê-la ao mesmo tempo.

Tirei uns dias na última semana do ano para relaxar. Fiquei longe das redes sociais a maior parte do tempo.

 De qualquer forma, tirei estes dias para estar presente na minha vida, livre de qualquer pressão para escrever.

Queria apenas viver o momento e guardar boas recordações na minha memória.

 Esta fotografia é uma das poucas que tirei.

 Adoro esta praia e gostei deste sinal de boas-vindas. Quando o vi ali, parecia estar a dar as boas-vindas ao novo ano. A uma nova perspetiva. Ou a algo novo e cheio de esperança.

 Um dia, estava a visitar o Castelo de Praga, e alguém do grupo estava sempre a parar para tirar fotografias. Esta situação obrigava o guia a interromper constantemente as explicações. A pessoa estava a viajar sozinha e todos nós sentimos que fazer aquela reportagem era importante para ela

Começámos então um debate sobre esta espécie de obsessão por tirar fotografias.

O guia referiu um texto de Umberto Eco sobre o assunto.

O artigo de Eco fala da "síndrome do olho eletrónico". Define-a como o desejo de estar presente com um olho mecânico em vez de um cérebro.

O ensaio reflete sobre a compulsão de fotografar e filmar tudo e como isso nos afasta de viver efetivamente o momento.

Eco pensa que as pessoas estão demasiado concentradas em guardar memórias nos seus telemóveis e estão a perder a capacidade de as apreciar e guardar nas suas mentes.

Por vezes, é essencial manter um registo do momento.

Normalmente, é mais importante viver.

Feliz 2024.


P.S. Parece que o ensaio de Umberto Eco "Síndroma do Olho Eletrónico" não foi publicado em nenhum jornal ou livro. No entanto, pode encontrar o ensaio aqui:



sexta-feira, dezembro 22, 2023

Celebração de valores universais

  A noite de 21 de dezembro é a mais longa do ano. Profundamente interligados com a natureza e dependentes da sua boa-vontade, neste dia, os nossos antepassados homenageavam a natureza.

Decoravam as casas com ramos de árvores, faziam grandes fogueiras e pediam aos deuses para os ajudar a passar o inverno sem sobressaltos.

Independentemente do nome que lhes possamos dar, os nossos rituais mostram que todos partilhamos os mesmos desejos.

Estes momentos representam valores universais, como a necessidade de calor e de segurança, o desejo de ligação com os outros, o prazer da partilha de experiências.

Representam também a esperança de um futuro risonho que surgirá sempre depois do frio do inverno.

Assim seja! Um brinde a um ano 2024 quente e cheio de boas relações.

Para mais textos sobre linguagem.



terça-feira, outubro 10, 2023

A língua portuguesa: uma riqueza infinita

Quando olhamos para a língua portuguesa com atenção, percebemos a história rica que reflete uma herança cultural diversificada do país.

Tantos povos passaram por esta região que as influências são imensas e foram moldando a língua ao longo dos séculos. Do latim ao árabe, passando por outras línguas europeias.

Uma das coisas mais interessantes do português é a quantidade de vocábulos de origem árabe. Estima-se que a língua portuguesa tenha mais de 18.000 palavras árabes, o que a torna uma das línguas com maior influência árabe do mundo.

O Castelo dos Mouros em Sintra (à esquerda) é um exemplo impressionante da influência da passagem deste povo pela península Ibérica. Este marco icónico é um testemunho da riqueza histórica e património cultural da região.

Aqui estão algumas palavras portuguesas com origem no árabe (derivadas de expressões religiosas):

  • Oxalá (lei xá Allah ou incha Allah, se Deus quiser)
  • Olá (wa Allah, Deus, saudação)
  • Olé (wa Allah, Deus, uma interjeição usada como aplauso ou encorajamento)
  • Olarilolé (la illaha ila Allah, não há deus senão Deus, profissão de fé muçulmana)

Outras palavras portuguesas de origem árabe incluem:

  • Alcachofra (alcachofra)
  • Álgebra (álgebra)
  • Almoço (lunch) (almoço)
  • Altar (altar)
  • Arroz (arroz)
  • Azulejo (telha)
  • Xadrez (xadrez)


O intercâmbio cultural entre estas duas culturas reflete-se hoje na influência do árabe na língua portuguesa. É também um testemunho da adaptabilidade e resiliência da língua, que abraçando novas influências, manteve sempre a sua identidade.

 

P.S. Espero que tenham gostado desta pequena explicação de como o árabe influenciou a língua portuguesa e de uma fotografia do meu marido (ele tem jeitinho para tirar fotografias).



terça-feira, agosto 01, 2023

De poeta a tradutora


Um destes dias, ocorreu-me uma analogia no campo da linguagem - há uma conexão entre tradutores e poetas.

Imagine um poeta que seleciona cada palavra de forma cuidadosa para criar uma obra-prima de significados. Não é exatamente isso que faz um tradutor?

Ao estudar Teoria da Literatura, refletimos sobre a tentativa de conceber a literatura como uma ciência. Dentre os conceitos, há um que sobressai: o conceito de ostranenia. Significa a sensação de estranheza quando deslocamos uma palavra do seu significado original. Essa ideia, explorada pelos formalistas russos, incentivou-nos a examinar as palavras de perto, como um cientista faria. A linguagem quotidiana é um recipiente transparente para ideias e necessidades. Em contrapartida, a linguagem literária é opaca, o que nos leva a estudar a sua forma, o seu som, a existência material das palavras. Esta perceção causou impacto no meu trabalho de legendagem e tradução. Cada palavra requer uma análise cuidadosa - significado, tamanho e relação com as palavras vizinhas. Se existissem dúvidas, nesse momento ficou evidente que os tradutores são semelhantes aos poetas. Sempre me senti atraída pela poesia, tanto como escritora quanto como leitora. As palavras sempre tiveram um significado profundo e simbolismo para mim. Recomendo dois livros mágicos, perfeitos para a nossa jornada de escrita - "Cartas a um jovem poeta" de Rilke e "Cartas a um jovem romancista" de Llosa.