sábado, agosto 07, 2004

Dia de Feira III


Claro que nós, portugueses, temos muito de árabes. Eles andaram mais pelo sul, mas as influências chegaram também cá acima. Um dos vestígios dessa cultura é a forma de negociar na feira. É qualquer coisa tipo Marakesh. Eles dizem um preço, normalmente muito acima do razoável, o cliente diz metade, eles já diminuem um pouco ao inicial e assim por aí fora, durante um bom bocado. Quando a coisa chega a pontos que agradam a ambas as pares, a cliente faz um golpe teatral que será a última tentativa. Vira as costas e vai embora. Invariavelmente a “ vendedeira “ chama-a aos berros e entregava a “ mercadoria “, pedindo segredo de um “precinho” tão bom. “ Freguesinha, não me troque “.

Em relação a estes negócios, há outra coisa que nunca poderei esquecer. Uma certa dose de superstição e o papel especial que a minha mãe tinha na “nossa” Marakesh.

A mãe é uma pessoa calada, que passa muitas vezes por antipática. Digo isto para que percebam que o mito que se criou à volta dela não tem a ver com o facto dela ser particularmente comunicativa ou por se esforçar por ser simpática demais. Acontece que a Senhora minha mãe era ( e continua a ser ) uma cliente muito especial e, por isso, muito requisitada.

Vou explicar porquê e aqui entram os mitos supersticiosos e talvez pagãos da nossa cultura popular.

A minha mãe era considerada uma “ boa estreia “. Isto queria dizer que mulher a quem a minha “estreasse”, que fizesse o primeiro negócio do dia com a mãe, levaria o carrinho de mão onde transportava os produtos vazio para casa e os bolsos do avental bem mais cheínhos. Todas sabiam disso e ela era a rainha das compras na feira e no mercado.

Vinha sempre carregada de sacos com as melhores coisas que por lá apareciam, com os braços cheios de flores, levavam-nos cestos de fruta a casa, tudo por dois tostões. Isto para nós era excelente, era quase como se Deus nos compensasse de todas as dificuldades em que vivíamos e tenha dado à minha mãe aquela aura de “ boa sorte “ que toda a gente reconhecia e que, de alguma forma, nos libertava um pouco das nossas dificuldades.