Claro que nós, portugueses, temos muito de árabes. Eles andaram mais pelo sul, mas as influências chegaram também cá acima. Um dos vestígios dessa cultura é a forma de negociar na feira. É qualquer coisa tipo Marakesh. Eles dizem um preço, normalmente muito acima do razoável, o cliente diz metade, eles já diminuem um pouco ao inicial e assim por aí fora, durante um bom bocado. Quando a coisa chega a pontos que agradam a ambas as pares, a cliente faz um golpe teatral que será a última tentativa. Vira as costas e vai embora. Invariavelmente a “ vendedeira “ chama-a aos berros e entregava a “ mercadoria “, pedindo segredo de um “precinho” tão bom. “ Freguesinha, não me troque “.
Em relação a estes negócios, há outra coisa que nunca poderei esquecer. Uma certa dose de superstição e o papel especial que a minha mãe tinha na “nossa” Marakesh.
A mãe é uma pessoa calada, que passa muitas vezes por antipática. Digo isto para que percebam que o mito que se criou à volta dela não tem a ver com o facto dela ser particularmente comunicativa ou por se esforçar por ser simpática demais. Acontece que a Senhora minha mãe era ( e continua a ser ) uma cliente muito especial e, por isso, muito requisitada.
Vou explicar porquê e aqui entram os mitos supersticiosos e talvez pagãos da nossa cultura popular.
A minha mãe era considerada uma “ boa estreia “. Isto queria dizer que mulher a quem a minha “estreasse”, que fizesse o primeiro negócio do dia com a mãe, levaria o carrinho de mão onde transportava os produtos vazio para casa e os bolsos do avental bem mais cheínhos. Todas sabiam disso e ela era a rainha das compras na feira e no mercado.
Vinha sempre carregada de sacos com as melhores coisas que por lá apareciam, com os braços cheios de flores, levavam-nos cestos de fruta a casa, tudo por dois tostões. Isto para nós era excelente, era quase como se Deus nos compensasse de todas as dificuldades em que vivíamos e tenha dado à minha mãe aquela aura de “ boa sorte “ que toda a gente reconhecia e que, de alguma forma, nos libertava um pouco das nossas dificuldades.