quarta-feira, novembro 23, 2005

Negro


Retirei do cenário a cor
Vagueei pelas cidades cinzentas

Olhei as minhas mãos
Vi-as negras de pó

Ouvi ao longe um ruído mudo
Tão longe que quase não era

É que me disseram que a cor não existe
Que tudo é plano sem forma nem tons

Que afinal vivemos numa ilusão tão grande
Que nunca chegamos a saber quem somos.



Foto de João Coutinho

quinta-feira, novembro 17, 2005

Branco


Queria adormecer no baloiço do jardim
Numa primavera antiga a cheirar a flores

Como na canção do Godinho
Abrir a janela e voar

Sorrir devagarinho

Como se tudo fosse redondo suave e branco



Foto de João Coutinho

quinta-feira, novembro 10, 2005

Coisas da avó


A minha avó materna tinha uma peculiar actividade: escrevia cartas.

A maior parte eram encomenda de raparigas que tinham os namorados " lá fora".
As cartas eram de tal forma intensas e apaixonadas que desta correspondência resultaram muitos casamentos.

Imagino a estranheza daqueles homens quando nunca chegaram a encontrar a mulher que as escrevia
.


Foto de João Coutinho

domingo, novembro 06, 2005

Histórias da casa antiga ou coisas de formigas


Quanto cresceste? A que distância estás daquela menina?

Não te lembras bem e muitas vezes há um momento em que vais para lá. Viajas. Vês-te outra vez, deitada de barriga no chão encerado da sala, a olhar atentamente os carreiros de formigas.

A sonhar sobre o mundo paralelo que idealizaste. As formigas e as suas vidas. Onde vão em carreiros tão alinhados? Como conseguem carregar uma carcaça de mosca gigantesca? Porque se cumprimentam quando se encontram de frente?

E se puser aqui o lápis e interromper o trajecto?

Lembras-te? Eram assim algumas brincadeiras dos miúdos sozinhos.



Foto de João Coutinho