quarta-feira, julho 30, 2025

Era uma vez


antigamente o sol nascia ao meu lado 
navegava docemente nos meus sonhos 
e no mar o horizonte era o fio 
onde um equilibrista passeava sobre pontas 

um dia mais tarde voaram os pássaros 
destino incerto  sem astrolábios
nunca mais vimos aquelas oliveiras 
dos prados do passado onde trepámos 

hoje chegou o tempo das chuvadas 
os dias escorrem nas janelas apressados 
do lado de cá onde agora estamos 

nunca mais ouvimos o vento 
a sibilar entre as espigas de milho 
nunca mais jogámos às escondidas com a alegria 

 Foto de wirestock na Freepick 

Descrição da imagem: Um barco ‘vintage’ castanho claro, possivelmente de fibra de vidro ou alumínio, está encalhado e parece abandonado numa encosta seca, rochosa e arenosa. O barco possui uma pequena cabine com janelas partidas e uma corrente enferrujada presa à proa. Ao fundo, há algumas árvores verde-escuras e um céu pálido e nublado. 

 P.S. Encontra mais conteúdos sobre linguagem e tradução da minha autoria, aqui.

quinta-feira, junho 05, 2025

Cais

 

Sei ainda que sabor tinham os dias quando te conhecia

Guardo sempre o melhor de cada estação
No cais de embarque os comboios chegam e partem
E vou dizendo adeus a alguns rostos nas janelas

Guardo em mim sempre tudo o que me ensinam
Guardo mais que tudo o carinho com que os olhei um dia

Esqueci o que veio depois como se nunca tivesse vindo
E saí na estação que entendi ser a minha

E agora estou em casa e olho tranquila os dias
Que passam como comboios de alta velocidade
E levam e trazem sonhos e pessoas

E a vida sorri sempre sempre sempre e apesar


Imagem de wirestock em Freepick

Descrição da imagem: Fotografia a preto e branco de uma ponte ferroviária antiga, com carris enferrujados no centro que se estendem para uma área arborizada. A estrutura metálica da ponte enquadra a vista, criando uma sensação de profundidade.


segunda-feira, março 10, 2025

A escrita de poesia e o poder da linguagem

 

Fotografia a preto e branco de uma mão de pele escura segurando uma caneta, escrevendo numa página em branco de um caderno aberto. O foco é a ponta da caneta e a textura do papel.

Já alguma vez lhe ocorreu que o processo de criação de poesia é uma arte complexa e desafiante?

À primeira vista, escrever poesia pode parecer simples, mas olhando com mais atenção, percebemos a profundidade e a precisão necessárias.

Se pensarmos em alguém que escreve poesia, seguindo modelos clássicos como o soneto, percebemos que a escolha das palavras para expressar sentimentos é bastante criteriosa e sujeita a limites estruturais.

Vamos, então, explorar a complexidade da escrita de poesia, utilizando como exemplo a estrutura dos sonetos.

Harmonia Estrutural

São compostos por linhas de 10 sílabas, estruturadas ritmicamente. Cada palavra conta e deve encaixar-se perfeitamente no esquema métrico.

Forma

Seguem o pentâmetro iâmbico, com um ritmo e fluidez que exigem precisão. A forma é rígida, mas permite uma expressão rica e variada.

Mensagem

Transmitem emoções e temas complexos com profundidade. Em apenas 14 linhas, o poeta deve capturar a essência de um sentimento ou ideia.

Escolha de Palavras

São ricos em metáforas, imagens e significado. Cada palavra é escolhida cuidadosamente para evocar uma emoção ou pintar uma imagem vívida.

Emoção

Exploram emoções como o amor, a tristeza ou a saudade. O poeta deve ser capaz de tocar o coração do leitor com a sua escolha de palavras.

Equilíbrio

Equilibram a criatividade numa forma rígida. O desafio está em ser original dentro de limites estruturais bem definidos.

Por isso, a poesia requer um bom domínio da linguagem e uma compreensão profunda das palavras para inspirar sentimentos.

É isto que faz da linguagem um instrumento tão poderoso e complexo, e por isso mesmo, o toque humano é essencial e insubstituível.

 

Image by rawpixel.com on Freepick

Descrição da Imagem: Fotografia a preto e branco de uma mão de pele escura a segurar uma caneta, a escrever numa página em branco de um caderno aberto. O foco está na ponta da caneta e na textura do papel.


sexta-feira, janeiro 17, 2025

Solitas, solitatis

 

A Saudade é um sentimento universal; mas, só na alma lusitana, atinge as alturas supremas da Poesia, contendo uma concepção da vida e da existência.

Pascoaes, T. (1986). Da saudade. Em A. Botelho & A.B. Teixeira (Orgs.). Filosofia da Saudade (p.124-144). Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda. (Original publicado em 1952).


Habitados a tal ponto pela saudade, os portugueses renunciaram a defini-la. Da saudade fizeram uma espécie de enigma, essência do seu sentimento da existência, a ponto de a transformarem num ‘mito’. É essa mitificação de um sentimento universal que dá à estranha melancolia sem tragédia que é o seu verdadeiro conteúdo cultural, e faz dela o brasão da sensibilidade portuguesa.

Lourenço, E. (1999). Mitologia da Saudade: seguido de Portugal como destino. São Paulo: Companhia das Letras.

 

Foto de João Coutinho

Descrição da imagem: Fotografia de dois barcos de madeira antigos, com suas proas rústicas visíveis, ancorados em água coberta por uma densa camada de lentilhas-d'água verde-vibrante. Uma corrente de metal enferrujada pende de um dos barcos.