terça-feira, setembro 15, 2015

Asylo

  Léopold Chilbourg, 1842
Com cinco anos entende-se muito pouco do que nos cerca. Julgo que o que se apreende são os sentimentos à nossa volta, as ondas magnéticas que provém do amor, mas também do ódio, da raiva, da frustração. Em abstracto, é absurda a pergunta sobre as motivações de alguém que odeia uma criança de 5 anos. Quem poderá ter no seu íntimo tanto azedume que precise de magoar, humilhar, marcar a ferros uma criança? Acontece. Eu vivi.

Com o tempo aprendi a ler o passado e, de alguma forma, a entender e aceitar e a seguir o meu caminho sem que estas memórias façam mais danos do que os que fizeram na altura.

A história é curta e durou apenas dois anos.

Andei uns tempos num colégio de freiras. Um edifício com uma fachada magnífica, com uma varanda central, mastros com bandeiras e uma gravação – talvez a ferro forjado – asylo de infância desvalida. A infância desvalida eram meninas pobres, órfãs - era isto que me diziam. O que os meus olhos viam eram umas raparigas da minha idade, vestidas com uma farda de cor pardacenta, sem forma, que faziam limpezas e andavam por ali. Nesse colégio/asilo eu frequentava, juntamente com os meninos ricos, as aulas. Foi lá que aprendi a ler e a escrever.
No entanto, eu pertencia a um limbo de meninas. Era uma menina órfã na sala errada. Na realidade, estava ali por imposição de uma benemérita, figura importante da sociedade da altura, uma espécie de madrinha que quis ajudar a minha mãe quando o pai morreu e que queria assegurar-se de que eu recebia a melhor educação possível. A freira-professora nunca perdoou este factor desestabilizador do seu universo.

À falta de conseguir repor a normalidade no seu mundo, aquela mulher conseguiu um subterfúgio que legitimou durante todo o tempo em que frequentei as suas aulas todo o tipo de crueldade.
Entre outras discretas maldades, passei esse tempo de colégio – para grande espanto e frustração minhas – sentada numa carteira gigante, com proporções para sentar um adulto, velha e cheia de bicho. Os meus colegas de sala sentavam-se em carteiras novas, envernizadas, de uma madeira linda, adequadas ao seu tamanho.

Ela nunca se comoveu com o esforço que fazia para lhe agradar e para fazer as coisas bem feitas. Aprendi a escrever com a mão direita até, mas nunca consegui ganhar a minha carteira normal. Apenas lhe interessou a punição que já não dizia respeito ao uso indevido da mão - a mão sinistra, o do pacto com o diabo – mas à audácia da vida em pôr uma menina pobre e órfã na sala dos meninos ricos.


Este arranque de vida teve dois resultados: um hábito – inglório - de tratar muito bem toda a gente, para evitar que me tratem mal. O outro, bem mais útil e sadio: o de produzir resultados sempre ao melhor nível, independentemente de contexto adverso ou favorável.




segunda-feira, setembro 07, 2015

Síria



Não sei, mas parece-me que o facto de haver em Portugal muita gente em dificuldades não me pode servir de desculpa para ignorar esta desgraça.

Foto via www.usnews.com

O menino na areia, Valter Hugo Mãe in Jornal Público

sexta-feira, junho 05, 2015

Desencontros


No restaurante onde costumo almoçar há um recado na porta - escrito à mão num quadrado de papel que diz há aqui chaves...perdidas. De cada vez que o leio pergunto-me se, tal como no filme my blueberry nights, haverá também histórias de desencontros. 

Foto de Luís Miguel Duarte

quarta-feira, janeiro 21, 2015

Outono



O varredor da minha rua enfurece-se tanto com o Outono. À hora em que saio ele já varreu até meio da rua, olha para trás e diz-me: já viu? Não é frustrante? Olho e reconheço que sim. Já lhe sugeri que vá abanando as árvores antes de varrer. Grande gargalhada que demos. 

Foto de Luís Miguel Duarte