segunda-feira, fevereiro 24, 2014

Num livro antigo


Quando me saiu de dentro de um livro
que há muito não abria, um bilhete de comboio
de Lisboa para o Estoril, foi como se tivesse
voltado a embarcar nesse comboio que me iria levar
até à estação onde me esperavas, com os teus
cabelos soltos pelo vento da manhã, pensando no
tampo que ainda faltava para te ver. Porém, 
o comboio parou em cada ano
que me separava desse dia, e
acabaste por te cansar da espera
nesse cais onde o vento te soltava
os cabelos, enquanto eu ia contando
os anos à medida que me aproximava
de ti. E quando cheguei à estação
onde me esperavas, só a imagem dos teus cabelos
soltos ainda voava nesse cais vazio onde tinhas
estado, escondendo o teu rosto,
até hoje, quando um bilhete de comboio
de Lisboa para o Estoril me fez viajar
até onde já ninguém me espera.

Nuno Júdice in A matéria do poema

Foto de Luís Miguel Duarte