quarta-feira, fevereiro 22, 2006

A saudade já



Aquele momento confirmava: o melhor da vida é o que não há-de vir.

Couto, Mia, Terra Sonâmbula, Lisboa, Caminho, 1992 (p.163)


Foto de João Coutinho

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Os cheiros



Os cheiros são letras escondidas no coração

Rebuçados guardados à sucapa na algibeira
O frasco de perfume no fundo da gaveta
O vidro partido do relógio de corrente

Os cheiros são o lugar por onde o tempo escorreu



Foto de João Coutinho

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Três da tarde




Na sexta feira o sino tocava ás três da tarde e na rua toda a gente parava. Os homens tiravam o chapéu. Os homens ainda usavam chapéu.

Não sabia o significado daquilo tudo, mas aquele minuto tinha um silêncio que doía.

Nessa época os dias tinham um cheiro morno que não consigo definir.


Foto de João Coutinho

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

A criança que fui chora na estrada-I




A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.

Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,

Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.

Fernando Pessoa

Afinal, o poema de que não me lembrava estava no blog da Nina.


Foto de João Coutinho