sábado, dezembro 30, 2006

Festa!



Flutes alinhados. Amigos a postos. Venha a festa!

E que a alegria destes momentos se estenda por todo o ano 2007.

São os nossos votos para todos os que por aqui passam.


Foto de João Coutinho

sábado, dezembro 23, 2006

Votos e rituais



Apesar de todas os motivos que me fizeram um dia destes ter tido um pensamento bizarro para o ano quero ir para um país onde não haja Natal, estou feliz por ter conseguido finalmente parar.

Agora há que pôr as etiquetas nos presentes e esperar a grande noite. Para além disso, gosto daquelas velas douradas na sala e até tive vontade de pôr qualquer coisa brilhante numa das janelas.

Gosto do Natal. Gosto da desforra de agora gostar e ter havido dias no passado em que não gostei tanto. Tenho toda a gente comigo.

Feliz Natal!



Foto de João Coutinho

domingo, dezembro 17, 2006

Sinestesia



com asas de gaivota
fugimos lépidos delicados
da gravidade de isaac

na mesa da cozinha
estava um raio de sol
maças vermelhas
uma tarde branca

o cheiro a canela pelo ar
embrulhava-se em paixão
com o piano
que voou da sala
foi há muito tempo

um dia lento e aromático
na época das cerejas e dos sonhos.



Foto de João Coutinho

domingo, dezembro 10, 2006

Era uma vez



antigamente o sol nascia ao meu lado
navegava docemente nos meus sonhos
e no mar o horizonte era o fio onde
um equilibrista passeava sobre pontas

um dia mais tarde voaram os pássaros
destino incerto sem astrolábios
e nunca mais vimos aquelas oliveiras
dos prados do passado onde trepámos

hoje chegou o tempo das chuvadas
os dias escorrem nas janelas apressados
do lado de cá onde agora estamos

nunca mais ouvimos o vento
a sibilar entre as espigas de milho

nunca mais jogámos ás escondidas
com a alegria



Foto de João Coutinho

segunda-feira, novembro 27, 2006

Momentos da não-vida



Hoje um homem uivou na janela do meu carro, no semáforo. Toda a aparência dele justificava aquele rugido.

Se me assustei foi só porque momentos antes tinha parado para deixar um passarinho acabar o seu banho numa poça de água. Estava perdida num pensamento feliz sobre os momentos encantados que ainda se podem viver numa cidade.

O uivo dele devolveu-me a realidade.


Foto de João Coutinho

segunda-feira, novembro 20, 2006

Metablogue ou momento de reflexão


O google deixa-me preocupada com a responsabilidade que me tem atribuído: esclarecer quem procura sentidos para a palavra saudade.


Foto de João Coutinho

quarta-feira, novembro 01, 2006

Hemos perdido aun...



Hemos perdido aun este crespúsculo
Nadie nos vió esta tarde con las manos unidas
Mientras la noche azul caía sobre el mundo.

He visto desde mi ventana
La fiesta del poniente en los cerros lejanos.

A veces como una moneda
Se encendia un pedazo de sol, entre mis manos.

Yo te recordaba con el alma apretada
De esa tristeza que tú me conoces.

Entonces dónde estabas?
Entre qué gentes?
Diciendo qué palabras?
Por qué se me vendra todo el amor de golpe
Cuando me siento triste, y te siento lejana?

Cayó el libro que siempre se toma en el crepúsculo
Y como un perro herido rodo a mis pies la capa.

Siempre, siempre te alejas en las tardes
Hacia donde el crepúsculo corre borrando estatuas.


Pablo Neruda in Veinte Poemas de Amor y Una Canción Desesperada


Foto de João Coutinho

sexta-feira, outubro 27, 2006

Recomendação convicta

UMA VIAGEM AGRIDOCE POR ENTRE AS RUÍNAS DO PALÁCIO ASSOMBRADO DA RUA DAS FLORES numa dimensão temporal paralela.

Um performance melancólica, surpreendente e nostálgica.

Quanto vale um palácio antigo?
Quanto vale uma memória?
Quão necessárias são as relíquias?

Baseada na sátira " A Relíquia" de Eça de Queirós

Encenação de Lee Beagley

Co-produção Produções Suplementares e E.S.M.A.E.

PRODUÇÕES SUPLEMENTARES é uma companhia que trabalha fora dos espaços teatrais convencionais. A companhia trabalha preferencialmente em espaços alternativos preferindo edifícios não habitados, ruas ou barcos. É um projecto desenvolvido entre Porto e Gaia, envolvendo o encenador Lee Beagley em conjunto com actores, performers e designers formados pela E.S.M.A.E.



Mais informações aqui. Recomendo que reservem os bilhetes por telefone e que os levantem antecipadamente, pois o espectáculo começa a horas e quem se atrasar não entra. De resto, não farei nenhum comentário para além deste: não percam mesmo!

terça-feira, outubro 17, 2006

Não deixeis um grande amor



Aos poucos apercebi-me do modo
desolado incerto quase eventual
com que morava em minha casa

assim ele habitou cidades
desprovidas
ou os portos levantinos a que
se ligava apenas por saber
que nada ali o esperava

assim se reteve nos campos
dos ciganos sem nunca conseguir
ser um deles:
nas suas rixas insanas
nas danças de navalhas
na arte de domar a dor
chegou a ser o melhor
mas era ainda a criança perdida
que protesta inocência
dentro do escuro

não será por muito tempo
assim eu pensava
e pelas falésias já a solidão
dele vinha

não será por muito tempo
assim eu pensava
mas ele sorria e uma a uma
as evidências negava

por isso vos digo
não deixeis o vosso grande amor
refém dos mal-entendidos
do mundo

José Tolentino Mendonça in Longe Não Sabia


Nunca serei cativa do desinteresse. Mil vezes chorarei. Sim. Seguirei o grande amor até ao fim do mundo.


Foto de João Coutinho

quarta-feira, outubro 11, 2006

Todos os dias

Sobre a cama as metáforas
Parecem-me mais belas e
mais sublimes

uma carta,

o poder da língua que liberta os beijos e
as pálpebras em êxtase,
quando vem descendo em letra redonda e
a pertubar o meu sono

João Ricardo Lopes in a Pedra que chora como palavras


As metáforas mudas. Os pleonasmos tolos. As sinestesias inebriantes. A sinédoques cúmplices. As elipses mágicas.

Um balão de cristal com vinho tinto, o fim da tarde, a música baixinho, o granito molhado da rua, a mansarda no centro histórico. Nós.



Foto de João Coutinho

terça-feira, outubro 03, 2006

Regresso



Esta manhã o sol atravessou de repente
para o outro lado da rua - são tão sombrias

as casas quando delas se perde o nome de
alguém, tão escuros os corações dos que
ficam lá dentro para habitar a dor.


Maria do Rosário Pedreira in Nenhum Nome Depois


Acordo a sorrir de madrugada. Acordo a cada quinze minutos com o sino da torre que agora está aqui ao lado. Outra vez aqui ao lado. Voltei. A casa já não é a mesma, mas o lugar sou eu e sinto-me mais eu estes dias. Já não há salas com cantos escuros. O sol entrou, atravessou a rua e preencheu todos os espaços. É daqui que eu sou.


Foto de João Coutinho

terça-feira, setembro 19, 2006

quinta-feira, agosto 31, 2006

Sobre buracos negros


John Wheeler:
Os amigos perguntam-me: E se um buraco negro for negro? Como o podemos ver? E eu respondo-lhes: Já foste a uma festa? Nunca viste os jovens vestidos com os seus smokings pretos e as raparigas com os seus vestidos brancos a rodopiarem, nos braços uns dos outros, e com as luzes baixas? E só consegues distinguir as raparigas. Bem, a rapariga é uma estrela vulgar e o rapaz é o buraco negro. Não consegues ver este assim como não consegues ver o rapaz, mas a rapariga às voltas dá-te provas convincentes de que deve existir algo que a mantém em órbita.

In O Universo de Stephen Hawking de Stephen Hawking e Gene Stone

terça-feira, agosto 15, 2006

Histórias da praia



Rimo-nos na esplanada com uma piada qualquer acerca do nevoeiro. Passado um bocado esse nevoeiro desceu e arrumou-se todo à volta do coração. Vai demorar algum tempo a dissipar-se. O tempo de arrumar no lugar das coisas boas os passeios pelas rochas, as grutas, os caranguejos gigantes, os piratas, os banhos intermináveis ao fim da tarde.
Olhei de relance uma revista. Falavam do sindroma de Peter Pan. Não quero crescer nunca. Mesmo quando a minha energia não tiver mais resposta no meu corpo e já não for capaz de escalar penedos, os meus olhos verão nas ondas os galeões, verão na praia o desembarque dos piratas, os tesouros escondidos na areia. Nesse dia a princesa já terá crescido e as lembranças estarão guardadas eternamente dentro de arcas cheias de tesouros.
A amizade sem datas. A gargalhada livre do fundo dos dias felizes.
Ficarão também para sempre os nossos nomes mimalhos. Biscoito grande, biscoito pequeno, bruxinhas, ratonços e pipiros.


Foto de Trieffele

terça-feira, julho 25, 2006

Férias



O blog vai de férias. Para começar vai ser por aqui e depois, bem, depois, quem sabe?...


Foto de João Coutinho

terça-feira, julho 18, 2006

Grilos e água nas noites


Numas destas noites quentes, uma experiência mágica no ar africano que agora invadiu o nosso serão. Um piano na escadaria de pedra. Uma magnólia gigante. Debussy acompanhado de grilos e de água a cair numa fonte. Folhas secas a estalarem no chão. A pianista magra de vestido acetinado vermelho escuro.
Já está quase a terminar, mas vale a pena: festival de ópera e música classíca de Ponte de Lima ou o fantástico projecto Opera Faber.

segunda-feira, julho 10, 2006

Do Minho



Que dizer sobre as flores amarelas que crescem na berma da estrada e dos arbustos que rompem a terra aqui e ali sem que ninguém os tenha semeado a não ser o vento? Que dizer da água fulgurante que desliza com ruído pelos balados abrindo sulcos na terra castanha, húmida, fértil?

Vivo na pátria exuberante onde os olhos tropeçam a todo o instante com formas excessivas, verdes, vivas, coloridas. Nenhum lugar existe para descansar o olhar. Ao ritmo da oferta ostensiva e intensa da natureza, os pensamentos fervem, borbulham, explodem. As mãos fervilham em vontade de fazer. O coração bate, sufoca, estoura.

A casa é todo o lugar donde se avistem as estrelas. A sala de estar a rua onde se escutam gargalhadas e vozes. Não me estranhem em todo o meu excesso. É daqui que eu sou. Sabendo que ser daqui, assim intensamente, me retira muitas vezes a paz de me encontrar comigo no silêncio.



Foto de João Coutinho

segunda-feira, junho 12, 2006

Loser*



Este é para ti, cavaleiro, princesa, sapo. Todos os dias acordas e muitas vezes demoras a perceber em que cidade estás, em que quarto dormiste, que dia é e o que vais fazer dos teus sonhos. Percebo muitas vezes que despertas com uma dor no peito e o ar que respiras não te basta para viver mais um dia. Mas os teus olhos vêem as dunas, os pássaros nos ninhos, vêem o infinito e o mar da janela. Viajas num planeta muitas vezes hostil, mas quando o olhas do espaço sabes onde é a tua casa. Voas e planas atento às cidades, ao que nelas te deslumbra e ao que te dói. Ás vezes não cabes dentro da tua alma e explodes, choras e deixas de acreditar. Tudo seria mais fácil se o mundo fosse simples como o é para o Joaquim. Acredito que o desejes. Mas não é. Estás vivo. E encontrar o caminho é coisa tua.

*Loser


Foto de Trieffele

quarta-feira, junho 07, 2006

Escrever



Écrire c'est aussi ne pas parler. C'est se taire. C'est hurler sans bruit.

Marguerite Duras in Écrire


Foto de João Coutinho

sexta-feira, maio 26, 2006

Carpe Diem



Dum loquitur, fugerit inuida
aetas: carpe diem quam minimum credula postero.


Horácio, Carmina I.XI


Foto de Trieffele

quinta-feira, maio 18, 2006

A casa



Não é a casa que nos abriga, nós é que abrigamos a casa, pois é a ternura que sustenta o tecto.

Mia Couto in O outro pé da sereia


Foto de João Coutinho

sábado, abril 22, 2006

Coincidências



Abrimos
quando chegamos
Fechamos
quando vamos

Se você vem e não estamos
é porque não coincidimos

Volte amanhã e nos encontramos


(horário de abertura afixado numa loja em Ponte de Lima)


Por aqui também não coincidiremos durante duas semanas. Até já.


Foto de Triefelle

segunda-feira, abril 17, 2006

Hoje


Ninguém nos avisou que o mundo acabaria
Sem aviso.

Agora que sabemos tudo sabe a muito.



Foto de Triefelle

segunda-feira, abril 10, 2006

Horas



- Estás tão bonita.
- É, fico bonita quando olho para ti.



Foto de João Coutinho

quinta-feira, abril 06, 2006

Nomes



Dormem entre nós dores que não
conheces. Adormeceste primeiro -
e o meu passado é um relógio antigo
que arrelia o silênio. Se me tivesses

dito o teu nome quando chegaste
podias fazer já parte destas memórias.


Pedreira, Maria do Rosário, Nenhum Nome Depois, Lisboa, Gótica, 2004 ( p. 18 )


Foto de Triefelle

terça-feira, abril 04, 2006

De Camões a Pessoa



No sábado passado, A Nova Acrópole e a editora Sete Caminhos apresentaram no Porto o livro " De Camões a Pessoa, Viagem Iniciática", com telas de Ellys e poemas de Maria Azenha.

O céu pode crer e ser.
O mar tem outro poder:
O de negar.



Parabéns, Maria, aqui estão as flores que não levei e hoje lhe entrego.


Foto de João Coutinho

terça-feira, março 28, 2006

Fim da tarde



Se olhar para cima talvez ainda veja
Um resto do céu do dia de hoje

As tardes chegam depois
Cada vez mais tarde

E eu?

Saberei o caminho de novo?



Foto de João Coutinho

sexta-feira, março 17, 2006

As Imagens são as Palavras dos Analfabetos



Esta frase é o título de um video. Esta imagem é parte desse vídeo. A exposição é de ver no CCB, até ao dia 2 de Abril. José Maçãs de Carvalho e também António Júlio Duarte, José Luís Neto e Paulo Catrica.

(...)Maçãs de Carvalho (Anadia, 1960) quer que esta se transforme "numa experiência para o espectador, no campo da imagem e dos seus limites". No vídeo a que chamou As Imagens são as Palavras dos Analfabetos (apropriação da expressão usada sobre os vitrais medievais), uma mulher "conversa" utilizando mímica e língua gestual. O efeito, diz, remete para o universo literário, em imagens "metavisuais" que colocam questões do âmbito da "política, psicologia e psicanálise". O mesmo sucedendo com os slides que exibe.Avesso à "contemplação apática", José Maçãs de Carvalho propõe também ao espectador um jogo com o seu quê de "perverso" levar para casa uma (e uma só) prova do seu trabalho. Há 6000 cópias (tantas quantos os visitantes esperados) de 11 ou 13 séries, e nesse acto de Democracia & Imagem esconde-se a angústia da escolha e a crítica ao fetiche do objecto artístico. Devem levar o retrato de Duane Michals a rir-se de um erro seu ou a gravidez "da América"? (...)


Agradeço a JMC a amabilidade de me ter enviado esta foto.

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

A saudade já



Aquele momento confirmava: o melhor da vida é o que não há-de vir.

Couto, Mia, Terra Sonâmbula, Lisboa, Caminho, 1992 (p.163)


Foto de João Coutinho

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Os cheiros



Os cheiros são letras escondidas no coração

Rebuçados guardados à sucapa na algibeira
O frasco de perfume no fundo da gaveta
O vidro partido do relógio de corrente

Os cheiros são o lugar por onde o tempo escorreu



Foto de João Coutinho

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Três da tarde




Na sexta feira o sino tocava ás três da tarde e na rua toda a gente parava. Os homens tiravam o chapéu. Os homens ainda usavam chapéu.

Não sabia o significado daquilo tudo, mas aquele minuto tinha um silêncio que doía.

Nessa época os dias tinham um cheiro morno que não consigo definir.


Foto de João Coutinho

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

A criança que fui chora na estrada-I




A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.

Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,

Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.

Fernando Pessoa

Afinal, o poema de que não me lembrava estava no blog da Nina.


Foto de João Coutinho

quarta-feira, janeiro 25, 2006

Estradas




Chove tanto nesta estrada. Tropeço na noite e não sei onde termina o caminho. Deixei-me lá atrás e agora fujo. Serão de ficar em casa à lareira quente, mas fugir é um lugar que se move.

Queria viver só do dia e da noite, do sol e da chuva, mas tenho que ir à bomba de gasolina encher o depósito, depois o supermercado, a lavandaria e a reunião com aquele homem com dedos curtos e gordos.

Depois os dias a dizer sim, a ver os esgares sim dos outros e a pensar em fugir lá para trás e consolar aquela menina que chora.

Escrevi isto por causa de Fernando Pessoa e de um poema de que não me lembro bem.

É para a Cristiane Urbinatti.


Foto de João Coutinho

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Secretamente




Corres em velocidade máxima sobre o globo
E sobes no balanço o céu a formar mortais
Deixas pegadas pelas nuvens
E caminhas pelo dia até ao entardecer
Apagando fogos-fátuos com suspiros

Ninguém te adivinha
Mesmo quando o teu sorriso desliza
Numa gota de água


Foto de João Coutinho

quarta-feira, janeiro 11, 2006

A Barburinha


Contam-me que usei chupeta até muito tarde. Muito tarde quererá dizer três anos. Acontecia que era muito agarrada a esse objecto e disso lembro-me bem. Ás vezes não tinha chupeta para dormir. Nessas alturas fazia uma grande birra e a minha mãe levava-me para a janela e contava-me uma história.

A história da Barburinha. Era uma mulher de longa capa que surgia do escuro e descia a rua que se via de minha casa. Essa mulher levava os meninos que choravam muito pela chupeta.

Nesse tempo morava cá uma senhora que usava umas capas com gola de pele, o cabelo loiro sempre muito bem penteado, sapatos de saltos altíssimos. Muito elegante. Ninguém me disse nada, mas nunca tive dúvidas que era ela a Barburinha.



Foto de João Coutinho

quarta-feira, janeiro 04, 2006

Porque é que eu escrevo?



"Ninguém pode dar-lhe conselhos ou ajudá-lo, ninguém. Há um único meio. Entre dentro de si. Procure o motivo que o faz escrever; examine se ele tem raizes até ao lugar mais fundo do seu coração, confesse a si mesmo se viria a morrer no caso de escrever lhe ser vedado. Isto antes de mais nada: pergunte-se na hora mais calada da sua noite: tenho de escrever? Escave em si mesmo em busca de uma resposta profunda. E se esta soar afirmativamente, se o senhor tiver de enfrentar esta questão séria com um forte e simples: sim, tenho, então construa a sua vida em função dessa necessidade; a sua vida terá de ser um sinal e um testemunho desse impulso até nas horas mais indiferentes e insignificantes."

Rilke, Rainer Maria, Cartas a um jovem poeta, Porto, Edições Asa, 2002 (p.24)


Este livro marca o conhecimento com duas pessoas essenciais para mim: a que mo recomendou e a outra a quem li uma vez esta passagem.


Foto de João Coutinho