sexta-feira, outubro 28, 2005

Histórias de livros III


Também me falaram de um homem que faz corredores de livros em casa. Já não usa estantes. Os que gosta mais estão em corredores formados à volta da sua cama.

Quem me contou esta história foi um amigo que sabe centenas de poemas par coeur. Ele próprio vive rodeado de livros. Aqui.




Obrigada, Maat:


as estantes são para estar.
não para ler.
há um homem que aboliu as estantes de sua casa
e concordo com ele.
não tenho estantes em minha casa.

os livros
têm pedras e veias por dentro
correm pelos corredores indo desaguar a diversas salas.

por vezes dão filhos
e brincam com as folhas das árvores.


há os que vão ter comigo
ao meu quarto
crescente em círculo
em dias de tristeza e frio.

outros dão pelo nome de vento e água
arrombando as portas das janelas fechadas.


os livros são como rios.




domingo é um dia em que eles todos juntos
correm para o Nada.



Foto de João Coutinho

domingo, outubro 23, 2005

Histórias de livros II


Um dia um homem disse-nos - ao passar ao lado da nossa mesa no restaurante - que achava as pessoas monótonas e previsíveis.

Já não perdia tempo a conversar. Cada pessoa encaixava-se perfeitamente numa personagem de um livro qualquer que já lera.



Foto de João Coutinho

quarta-feira, outubro 19, 2005

Histórias de livros I


Há uns anos morreu um tio meu que nunca cheguei a conhecer. Não sei quase nada sobre ele. De tudo o que me disseram registei apenas uma coisa: adorava ler.

Na altura em que morreu morava numa pensão. Tinha enchido de tal forma a casa de livros que não sobrara lugar para ele.



Foto de João Coutinho

sexta-feira, outubro 14, 2005

O pesadelo


De que me falas eu não te ouço
Ontem sonhei que estava em nossa casa
Acordei sozinha no meio da rua

Não sei das portas as janelas não abrem
Gostava de sair daqui não sei andar

Perguntei ás pessoas como se respira
Ninguém sabe a resposta ninguém entende

Depois acordei outra vez e outra e outra
E não sei da casa e não te vejo

Onde estás onde estás onde estás

Estou acordada ou sonho ainda?



Foto de João Coutinho

quarta-feira, outubro 05, 2005

Do tempo e das viagens


Sento-me do lado avesso do relógio
Quero olhar com atenção despida de horas
É importante passear pelos dias fora
Pedir a Lorca o ladrão do tempo
E subitamente ver as máquinas
a andar para trás
Queria ir ao passado ao futuro ir ao longe
Sem este cordel que me prende o pulso neste dia




As formas circulares dos mostradores dos relógios, por exemplo, geram a ilusão de que as horas regressam sempre e isso nunca acontece. Se calhar, devíamos imaginá-los em forma de espiral.

Laurie Anderson, Anéis de Fumo, Assírio e Alvim, 1997 ( p.37 )


Foto de João Coutinho