quarta-feira, março 30, 2005

Casa na Duna - O Cavaleiro


Abrir a porta de encontro à sorte
A silhueta no reflexo
O luar branco a flutuar

Maré vazia no espelho de água
Cavalo negro e cavaleiro
Deixam as marcas na areia breve
Como se o tempo fosse parar

Seguia as trevas no teu encalço
Corria o mundo para te encontrar

Voltar a casa? Talvez voltar...



Foto de João Coutinho

terça-feira, março 22, 2005

Casa na Duna - O Teu Nome


O vento uiva o teu nome
Nas frinchas das janelas

É de mar o teu nome
Cheira a algas
Sabe na minha boca a sal

Viste-me chorar? Não viste

Os lugares onde choro são invisíveis
Como esta chama para onde olho
Como esta voz que escuto agora

O tempo passa passa o tempo
A veneziana impelida pelo vento
Bate a compasso na parede
Como o ponteiro dos segundos
No relógio que não tenho

Lá fora os ruídos da noite
Cá dentro o piano e lábios salgados

Não são lágrimas que provo
O mar ? Talvez o mar…



Foto de João Coutinho

domingo, março 20, 2005

Os nomes


Está o meu nome dentro do teu nome

Cheiram a sal a algas e a iodo
Arrepiam em salpicos de espuma branca

Ambos repetem ondas em melodia
Repetem o mar infinitamente

Os nomes ás vezes são maiores que oceanos



Foto de João Coutinho

quinta-feira, março 17, 2005

Sobre o amor e o medo


Desta vez pensei sobre a fragilidade
Ouvi ao longe uma explosão
E vi lágrimas e sangue e tanta dor
E várias mãos douradas a segurarem-me
A prenderem-me a abraçarem-me

E o túnel vertiginoso a deslizar nos meus olhos
E medo tanto medo tanto tanto tanto
E a mão dourada a tentar alcançar-me
E a mão dourada pousada na minha testa

E pensei que as pessoas de cristal se estilhaçam
Que as cidades não suportam pessoas de cristal

E nesse momento soube que há mãos que nos seguram
Que o amor não tem limites nem espaço nem tempo



De Maat :

vou escrevendo em cima dos andaimes da luz
a tua voz entrou pelas janelas das grandes cidades
aí o tempo ofuscou a memória das casas
e a cor natural dos campos verdes

já não há sinos nem pássaros nas árvores
para anunciar o meio-dia do vento
nem o silêncio tranquilo da tarde para adormecer
nos espelhos do adro

só as pequenas sílabas das abelhas escondidas nas colmeias
vêm em viagem pelo transitório sangue das calçadas
no ventre das pedras ouço o meu nome o teu nome

o estranho fogo de que o amor é feito




Foto de João Coutinho

terça-feira, março 15, 2005

As estradas


A seguir contavas-me uma história
Escutava atenta mergulhada nos teus olhos
Não eram as palavras que ouvia
Via os quadros que pintavas
Em cores que só eu conheço e tu me ensinas

A seguir contavas-me uma história
Falavas-me das viagens que fazes pelo mundo
Disseste-me também que não vieste
Mas eu sabia a dada altura que já estavas
Mesmo sem teres chegado ainda

É que há estradas em cima das estradas
Umas são de alcatrão
Outras não são

Serão de terra ou de lua
Têm caminhos concretos e destinos certeiros

São essas que te trazem antes de chegares



Foto de João Coutinho

sexta-feira, março 11, 2005

Domingo


Não te conheço ainda não sei quem és
Disseram-me de ti tantas coisas que não ouço
Disseram-me de ti que tinhas visto o mundo

Não conhecia ninguém que tivesse visto o mundo
Sempre estive encerrada na minha aldeia
Nunca soube bem o que encontrar do lado de lá do monte

Uma vez vieste à missa do meio-dia
E encontrei-te ao sol da tarde no adro da igreja
Eu era a menina de tranças e tu o rapaz de blusão de couro

Mas os meus olhos eram da cor dos teus
E o mundo que eu não vi estava no teu olhar
E o mundo que eu vi estava em mim e tu soubeste



Foto de João Coutinho

segunda-feira, março 07, 2005

Correntes de prata


Talvez te pareça um poema de amor
O que vou escrever hoje
Vou escrever sobre as sintonias
Que se movimentam no ar que respiro
Que flutuam à minha volta sempre que acordo

É que hoje sonhei com correntes de prata
Que se alongam pela noite e me deixam flutuar
E vezes sem conta repeti um nome

E depois acordei e fiquei desperta
Serenamente
Não pensava em nada
Deixei apenas que me transportasses
Olhos abertos no escuro

Inclinada em mim talvez
Ou simplesmente em silêncio




Foto de João Coutinho



A música : Lent et Doloreux de Erik Satie - uma sugestão muito adequada de JAP, dos Dias Atlânticos.

E agora, quer contar a história do lugar que deu origem a estes Dias?

quarta-feira, março 02, 2005

Vidro


Estava estilhaçada em fragmentos
Estava nas paredes sujas dos prédios na cidade
Nas valetas com papeis desfeitos e latas de coca-cola
Nos carros e no fumo negro dos canos de escape
Nas televisões em volume máximo
Nas pessoas a correr aos tropeções
Nos cães com sarna e nas crianças desabrigadas
Estava estilhaçada na dor e no ruído

Um dia uma mão dourada pegou no vidro translúcido
Que brilhava na calçada e guardou-o no coração
Então encontrei-me no silêncio e fiquei só uma



De Maat7:

apenas uma estrela
fazia um pequeno desenho no chão
um brilho de primeiro dia
de fuga e desafio

jamais a encontrariam na abóbada celeste
entre os nomes e as pedras limpas
da alegria

secreta quase invisível
era um nome à luz do trigo
para ser dia
ou cítara do vento para adormecer os deuses
e habitar o silêncio despojado e nu
no brilho dos navios

só o meu destino passaria neste bosque
exacto como um rio




Foto de João Coutinho