quarta-feira, fevereiro 02, 2005

À procura do piano


Um noite no Verão passado fui ouvir música de câmara. Dvorak. Estava assim na dúvida de gostar ou não. Concentrava-me ora no piano, ora no violoncelo, ora no violino. No todo. Nas partes. Sempre tive a mania da dedução e da indução.

Via as sombras dos archotes crescerem a cada movimento na parede de pedra. Sentia, ao olhar a paisagem do alto do monte, ao ver ao longe as luzes da vila, que algo se tinha quebrado. Sabe-se sempre quando algo se quebra. Sempre a mania de induzir e deduzir.

Perguntava-me : se gosto das partes tenho que gostar do todo ? E as partes de que não gosto? Tenho que aceitá-las? Depois ouvi algo assim como “ estou no mundo “. E pensei em que mundo. Talvez nunca nos tenhamos encontrado no mesmo mundo, quiçá. Mas ainda hoje penso que se me perguntarem onde é o meu, eu não saberei explicar.

Foi nesse dia que peguei num dos archotes e fui embora. Acabei por decidir que no todo preferia a música do piano. Desci o caminho de volta a casa, embora não saiba bem para que lado é. Algumas vezes levantei o archote e iluminei um rosto que me olhava. Ninguém sabia tocar piano. Era esse o som que eu seguia. A parte do todo que procurava. Parece-me que peço tão pouco. Será que peço assim tão pouco?



Foto de M.