domingo, janeiro 30, 2005

O branco e o negro


Lamento quem caminha nas ruas da existência de cabeça baixa. Quem nas pedras da calçada fixa os olhos e não ouve mais apelo que o da deslealdade. Lamento também quem se julga tão grande, que salta de telhado em telhado sem saber a quem pertencem as casas. Lamento quem caminha na vida à procura do confronto. Mostrando força com coisas tão vãs que nada valem. Tudo é brevidade. É tão fácil pintar os dias de ternura, levantar os olhos e deixá-los respirar sorrisos. Como entregar flores porta a porta. Deixar a marca da doçura esbater as manchas de angústia.


Foto de M.

quinta-feira, janeiro 27, 2005

Pessoas : Rita

A pessoa sobre quem quero falar hoje é diferente das pessoas de quem falei antes. Não publicou um livro, não pintou um quadro, não projectou um edifício. Não chegamos a ser amigas, porque a amizade precisa de tempo e o nosso tempo começava agora.

Criamos um laço forte. O laço de quem quer passar na vida mudando o mundo nas pequenas coisas do dia a dia. Temos algo em comum. Algo concreto que perdurará. Fizemos ambas de um espaço cinzento, um lugar alegre, colorido, confortável. Sonhamos um lugar onde os doentes se sentissem menos doentes, os pobres menos pobres. E está lá. As obras perduram, mesmo que não se saiba dos sonhos de quem as fez.

Estes dias tenho ouvido sobre ela as mais variadas expressões. Todas falam de força, de vida, de justiça, de disponibilidade. De causas. Corria o mundo por uma causa. Dedicava tempo ao voluntariado. E vivia. Intensamente.

Dói-me a dor dos que a choram. Dói-me ouvir “ a nossa fúria azul grenã morreu “.

Lembrei-me do pintor Luís Pinto Coelho. Lembrei-me da partida com as contas ajustadas. Dar e receber muito. Dar e receber tanto quanto se pode.

Lembrei-me também que nada se pode adiar. O minuto seguinte não nos pertence.

Súbita e tranquilamente a Rita foi embora há uns dias atrás. A fragilidade da sua vida é também a nossa fragilidade.



( e hoje um beijo especial para uma amiga que festeja o aniversário do seu blog e não deixar para amanhã o que não sei se poderei dizer : gosto muito de ti, Filipa )

sexta-feira, janeiro 21, 2005

Fuga


Enquanto é inverno e se justifica
Ficar horas a olhar para as chamas
A expectativa de parar o pensamento
De o esvaziar de concretos
Libertá-lo no fumo e no cheiro a fogueira
Olhar abstractamente para a dança rubra
Enquanto é inverno e se justifica
Depois há que procurar o mar e as estrelas
Para justificar durante o verão
A fuga do pensamento para o vazio.



Foto de M.

quarta-feira, janeiro 19, 2005

Pessoas : Andy Warhol


Self Portrait, 1986

Nasceu em 6 de Agosto de 1928, em Pittsburgh, nos E.U.A.;
morreu em 22 de Fevereiro de 1987, em Nova Iorque.

Em 1961 realizou a sua primeira obra em série usando as latas da sopa Campbell's como tema, continuando com as garrafas de Coca-Cola e as notas de Dólar, reproduzindo continuamente as suas obras, com diferenças entre as várias séries, tentando tornar a sua arte o mais industrial possível, usando métodos de produção em massa. Estas obras foram expostas, primeiro em Los Angeles, na Ferus Gallery, depois em Nova Iorque, na Stable Gallery.
( ver mais aqui )

Na era da uniformização, encanta-me que alguém - embora não escapando ás imposições da produção em série - transforme o seu trabalho em arte, ou vice versa...

No mundo cinzento espalha a cor e ensina o olhar a ver efectivamente as coisas em que toca.




Museu online

sexta-feira, janeiro 14, 2005

Votos e rituais


Há lugares onde só chega
quem não receia
as suas sombras
quem fecha os olhos
deixa o sol brilhar na face
sente o beijo morno da luz
arruma no coração
as mágoas e as alegrias
dando-lhes o seu lugar

Somos feitos de tudo
também de cicatrizes

Que o futuro traga a sensação
de repouso ao teu coração
e possas enfim aceitar
sem escolhos o que te oferecem.



Foto de M.

quarta-feira, janeiro 12, 2005

Pessoas : Luís Pinto Coelho


"Rejon de Muerte"
óleo sobre tela
97x130 cm
1999

Recordações do mundo juvenil, figuras da história, sinais que marcam o tempo e a sociedade em que tem vivido, tudo isto está reflectido na obra de LPC sempre com uma visão crítica, irónica ou inclusivamente caricatural, tão de acordo com o temperamento do artista, perfeitamente integrado no mundo a que pertence sem deixar de observá-lo com um toque benevolamente irreverente ou até maliciosamente inocente. ( o resto aqui )

Nasceu em Lisboa em 1942 e morreu em Madrid no dia 4 de Novembro de 2001. Frequentou o curso de pintura e escultura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Viveu em Madrid durante quarenta anos. Trabalhou sob a orientação do pintor Luís Garcia Ochoa. Foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian.

Sobre ele tenho uma recordação fortíssima. Uma entrevista que deu na RTP2 pouco antes de morrer. Lembro-me particularmente da tranquilidade que me surpreendeu numa pessoa que quase sabia em que dia se iria embora. Lembro-me acima de tudo de uma frase. Hoje essa frase, ou melhor, o conceito de vida que ela encerra, faz parte de uma das minhas bandeiras. Dizia ele que tinha as contas saldadas com a vida : tinha recebido muito e tinha dado de igual forma.

segunda-feira, janeiro 10, 2005

Sobreviventes


Como uma criança atravesso ruas e avenidas
Os olhos pousam e voam rasando o mundo
Em todos os lugares que quero levar comigo
Entrego-me à vida com a doçura de quem não sabe mais
E nada mais sei do que existir sentindo o que me toca
Sei que não deveria dar-me assim sem medo
Dizem-me os conselhos que não se deve seguir em frente
Como se toda a gente se cruzasse nos caminhos
Com bandeiras brancas e olhos brilhantes de ternura
Sigo assim desprotegida dos que se escondem
Atrás de mágoas e intenções guerreiras de ferir
A brancura permanece intacta nos que sobrevivem
A fragilidade dos que não se protegem enche os dias de luz



Imagem de M.

sexta-feira, janeiro 07, 2005

Dunas


Flutuo antes do sono por limbos de ideias
Suspiro por desertos dourados de areias
E vento a soprar no fim dos dias
Calor a escoar-se pelo frio das estrelas

Acordo no mesmo lugar tudo mudado
Fascínio dos descampados sem palavras
Onde só o brilho do sol me faz sorrir
Onde as tempestades doutras vidas
Não levam do meu céu a luz do norte



Imagem de M.

quarta-feira, janeiro 05, 2005

Pessoas : Barragán



Barragán foi muito influenciado pela arquitetura árabe do sul da Espanha. Isso se evidencia na utilização dos jardins intimistas e na presença da água (com seu barulho) nas composições, nas elaboradas seqüências de passagem entre os diferentes espaços, na relação permanente entre o natural (vegetação, água, luz, céu, vento, visuais) e o artificial (jardins e ambiências), com o objetivo de criar um todo indivisível, um amálgama material-espiritual.
Isso vale tanto para os interiores quanto para os exteriores.


Jáuregui, Jorge Mário - Projecto Design

De todos os elementos sempre me senti água. A transparência agrada-me de variadas formas. Gosto de materiais translúcidos. Palavras transparentes. Sentimentos claros. Água. Do mar, do rio ou da chuva na janela. Um dia vi uma casa onde a água passeava pelos corredores. Foi a primeira vez que ouvi falar de Barragán.


segunda-feira, janeiro 03, 2005

Horizontes


Sentei-me à janela num banco de namorados
Em frente a mim um lugar vazio.

Olhei o circulo sem fim dos desencontros.

Sabes que não temo as auto-estradas
mas receio os caminhos sem volta
ao centro de mim.

Ás vezes o sorriso esconde
avalanches de lágrimas
a deslizarem por encostas
de pensamentos tristes.

Talvez nunca as vejas.
Serás capaz de as sentir
no arrepio das tuas costas?

Olho o horizonte.
Dizem que a terra gira.
Não vejo.



Foto de M.