terça-feira, julho 13, 2004

Encruzilhada

Gostava de ter várias vidas. Em cada encruzilhada experimentar cada uma das opções. E depois ir espreitar como tinha sido a outra e a outra e a outra. Não deixar ninguém pelo caminho. Não ficar a pensar no que posso ter perdido. E tenho só uma.

Se puder escolher na encruzilhada, escolho não sofrer. Vou deixando para trás tudo o que me dói. E não olho mais.

Queria chegar ao futuro e sentir que as contas estão saldadas. Que devolvi à vida tudo o que ela me deu.

Mas não sei se tenho tempo. Não sei se sou capaz. Por isso vou a correr.

Muitas vezes engano-me no caminho e se olhasse para trás ele já não estaria lá. E deixei muita gente, pensando que ia esquecer e não esqueço. Que não ter ido por lá era suficiente para não chorar.

Mas também já não sei chorar. Das minhas coisas não choro. Choro com as notícias, com os olhos das pessoas que são apanhadas pela guerra, com as crianças transparentes de fome, com idosos a dormir no chão, com os cachorrinhos perdidos nas ruas, com mil coisas eu choro. E olho para as minhas como olho para um filme, vejo a minha dor como se estivesse projectada num ecrã e não fosse nada. E a minha cabeça pensa que devia chorar. Mas não sinto o que é meu como se fosse meu. Olho à distância e corro para a frente.

E o tempo corre também.