domingo, dezembro 26, 2004

Votos


É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.


Eugénio de Andrade


Diria que a vida é breve e nada poder ser adiado. É urgente permanecer...Até Janeiro.


Foto de M.

domingo, dezembro 19, 2004

O menino Jesus


Em minha casa a figura do Natal era o menino Jesus. Diziam-me que ele vinha pela chaminé e trazia presentes para os meninos que se portassem bem. Ficava intrigada com tal proeza : a chaminé de minha casa era enorme, alta, larga. Tinha um ar sinistro quando se olhava para ela a partir da pedra da lareira. Tudo negro. Um túnel sem fim. Difícil imaginar um menino a descer por ali.

Esforçava-me por me portar bem. Queria muito uma bicicleta. Um ano decidi que estava na hora de a ter. Era uma menina que se portava bem. Era sempre a melhor na escola. Ganhava prémios e tudo.

Então, decidi pedi-la nesse ano. Escolhi o papel mais bonito que tinha em casa e escrevi uma longa carta a explicar porque precisava tanto da bicicleta e porque a merecia.
Pousei a carta na lareira e volta e meia ia espreitar para ver se ele já a tinha vindo buscar. Um dia desapareceu de lá e fiquei radiante. Ele agora já sabia.

Esperei pelo grande dia. A bicicleta não veio. Fiquei confusa. Afinal, o que teria feito eu de errado?

Passados uns tempos descobri a carta guardada numa das gavetas da minha mãe.

Foi assim que descobri que não havia Menino Jesus. Nem Pai Natal. Que nunca ninguém me iria dar nada. E foi assim que comecei a grande luta com a vida. A da conquista dos meus sonhos.

Boas festas.


Foto de M.

quarta-feira, dezembro 08, 2004

Voo de liberdade


Não pedi jardins nem lagos
e tu deste-me cestos com laranjas radiosas
e encomendaste aos músicos de rua
um espectáculo para mim.

Hoje, quando vejo o mundo a girar
Como se a sua sintonia batesse no meu coração
Eu nem sei sequer dizer obrigada.

Aprenderei.



Foto de M.


P.S. Aproveito para informar os meus estimados visitantes que o Sítio da Saudade vai entrar de férias por uns tempos. Desejo-lhes festas felizes e essas coisas todas que se dizem lá mais para o final do mês.

segunda-feira, dezembro 06, 2004

...o ( meu ) movimento


és um meteoro.
passas apressada e com olhar vivo, reparando na rua que se transforma.
[e o céu?]
estou aqui. onde sempre permaneci. olhar baço e cansado.
[espreitando a rua]
por aqui continuarei.
inacessível




Texto e foto de Madness

sexta-feira, dezembro 03, 2004

Guerreira


De cima da minha mágoa
galopo inquieta à procura de sentidos
encontro olhos baixos e a arbitrariedade
dos que escolhem auto estradas.

Nunca me deram nada
Nunca ninguém me disse : vem
descansa tranquilamente no meu sofá.

Mas nunca procurei o conforto
Armei-me de couraça e fui à guerra
lutei febrilmente pelos sonhos
e chorei tantas vezes no meu elmo.

Até ao dia em que as lágrimas secaram.

Para sempre.



Foto de M.

quarta-feira, dezembro 01, 2004

Fim de tarde


Pegar em ideias com as pontinhas dos dedos
Receio de agarrar pedras em vez de plumas

Fechar o álbum de fotografias
Olhar o dia pela janela
E vermelho no horizonte o sol partiu.

Olhar para o relógio na parede da sala
O pêndulo baloiça e trespassa o silêncio.
O bule do chá já não fumega.

Aparentemente tudo está igual.

Mas se nas caixinhas só guardo plumas
Como conseguiram entrar as pedras?



Foto de M.

segunda-feira, novembro 29, 2004

... cais


também eu
naveguei e agora regresso aqui
olhar naufragado em telas
riscadas.
abandono-me agora.



Texto e foto de Madness

sexta-feira, novembro 26, 2004

Voos


Bandeira triunfante sobre as ruínas
Ao longe tudo o que quiseste desbravar
Despenha-te desmorona-te faz-te ao solo
Ela voará em luminosas asas transparentes
De encontro à luz que a poderá perder.



Foto de M.

quarta-feira, novembro 24, 2004

... tempo




Não haverá futuro. Apenas uma fogueira.
Ainda as cores com que te enfeitas. Hoje.
Sobre elas a memória do pensamento. Ontem.
Trago-te as flores. Sempre

[futuro ou passado presente? )



Texto e foto de Madness

segunda-feira, novembro 22, 2004

Nós


Simplesmente palavras nos meandros dos teus olhos
Simplesmente contornos de carícias à solta pelo vento

Nem mais nem menos que lábios voláteis
beijando os teus cabelos
Nem mais nem menos que dedos transparentes
na pele do teu rosto

Não sonhes num minuto escapar do que procuras
Nem sonhes que caminhos no futuro não te farão chorar
Não digas não demandes as origens do planeta
Nem pretendas com regras e livros sinuosos
dizer do que não sabes
Não sabes o segundo na fracção de tempo imediato
Nem sabes que dicionário consultar para dizeres

Que tudo o que me digas não é nada
E chega rir sorrir trocar coisas tão vãs como trocamos
Porque nos meandros dos teus olhos cruzam-se os meus olhos



Foto de Madness

sexta-feira, novembro 19, 2004

Caminhar

pousa nos olhos uma ternura magoada
caminhar lado a lado será assim
olhar em frente vendo de relance
a mágoa de quem atira pedras
e não atinge mas desencanta
a tranquilidade de quem caminha.



De Madness :

escuta.
podemos não conhecer todas as respostas.
precisamos.
olhar o longe.
vem.
dá-me a tua mão.



Foto de M.

quarta-feira, novembro 17, 2004

O momento


Aconteceu assim tão simplesmente
Cruzaram-se planetas
Luzes meteoros buracos negros
E tudo no universo se moveu
Para nesse dia nesse minuto
A porta se abrir e estar lá a resposta
O calor do abraço esperado pelos tempos
A tranquilidade do encontro do destino



Foto de M.

domingo, novembro 14, 2004

... olhar

rio ticino, 2004


falo daquilo que vejo, embora possas pensar que sou cego.
trago-te as palavras sem socorro no escuro.
deixo-as nas cores para que desenhes a saudade do futuro.

[digo-te que o futuro não existe. somos apenas passado e presente]



Texto e imagem de Madness

quarta-feira, novembro 10, 2004

Sobre as imagens e as relações

Hoje decidi falar sobre as imagens que costumo colocar no Sítio da Saudade. Preciso de realçar a amabilidade de todos os fotógrafos que me têm autorizado a colocá-las aqui.

Gostava de referir que, salvo raras excepções onde não consegui descobrir o autor de uma imagem, tudo o que se publica aqui tem o acordo dos respectivos autores.

Sobre este assunto recomendo a visita a esta página que aborda a questão da Internet e Direitos de Autor.

Sendo assim, quero agradecer ao Rui Vale de Sousa , ao António Pinto, ao Armando Jorge, ao Paulo Almeida, ao Erik Reis , ao João Coutinho e ao M.

Escolhi as suas fotos porque encontro afinidades nas mensagens que me transmitem e essas afinidades ilustram e completam as limitações que por vezes as palavras têm.

Depois, aproveito a onda de agradecimentos para publicamente manifestar ao Nilson, ao Mauro e ao Nuno o meu reconhecimento pela disponibilidade que têm mostrado sempre que os enigmas da informática me ultrapassam.

E, para finalizar, anuncio que - a partir desta semana - o Sítio da Saudade tem um novo colaborador: M. Esta é uma das suas imagens.

segunda-feira, novembro 08, 2004

Próxima Estação


Castanhas e vermelhas amarelas
pousadas na mão do vento que te assola
páginas dos dias passam secas
calendários imperfeitos das histórias
Ficarás tu sentado à espera
como se nada esperasses que te mova?
E se o calendário se enganar nas tuas contas
e viesse ainda o Verão a te queimar?
Deixarias o mau tempo largar chuva nos teus olhos?
Ou como um mendigo dos Outonos
ficarias ainda hoje a esperar a Primavera?



Foto de João Coutinho

sábado, novembro 06, 2004

Presente


Que pequenas coisas encontro nas tuas gavetas
Guardanapos de papel rabiscados de lembranças
Que prisão te encerra nos anais do tempo
Que histórias repetidas de tão gastas
Te enchem ainda este momento
Não as guardes mais deita-as ao lixo
Não te prendas ao relógio abre a cela
Caminha para a luz dos rios calmos
Banha-te de estrelas no oceano deste dia.



Foto de Erik Reis

quinta-feira, novembro 04, 2004

Rua da Mágoa III


E o candeeiro
Que acende o escuro
Reflecte nela até ofuscar.

Essa pedra vento
Corre como água
E debaixo da lua
Da rua da mágoa
Desfaz-se no ar.



Foto de M.

terça-feira, novembro 02, 2004

Rua da Mágoa II


Branco precioso
Brilhante de lua
Diamante inteiro
Do fundo do mar.

E quando este brilho
Que o vento apregoa
Sente o cheiro neutro
Do fundo da rua
Estilhaça inteiro
Parte sem olhar.

Mascara-se em pedra
Sem cor, em cinzento
Com um brilho lento
Que teima em queimar.



Foto de M.

domingo, outubro 31, 2004

Rua da Mágoa I


Jóia preciosa
Vestida de branco
No neutro da vida
Para não destoar.

Água. Vento. Lua.
De cor incolor
Velho candeeiro
De esquina de rua
no fundo da dor.



Foto de Madness

quinta-feira, outubro 28, 2004

Aprender


Terei que aprender
A viver com a espera
A colar na rotina
Um toque de magia
Procurando a força
Para te esperar
E seguir em frente
À procura do dia.



Foto de Rui Vale de Sousa

quarta-feira, outubro 27, 2004

Pessoas - Álvaro Siza


Todas as cidades são a minha cidade, à qual sempre regresso. Tudo é então diferente, pois conheço que é diferente. Os olhos abrem-se à minha cidade, sou de novo um estranho maravilhado, capaz de ver: de fazer

Também tenho os meus heróis. Admiro quem é capaz de desenhar uma ponte, quem faz os cálculos de ferro e betão para que se sustente, quem a constrói.

Deslumbra-me pensar que uma construção nasce do encontro entre um momento inspirado, um papel e um lápis.

Sonho por vezes estar dentro da cabeça de um arquitecto para perceber como é que ele vê o espaço, como o perspectiva, para poder depois encaixar no meio uma nova peça que faça sentido.

Álvaro Siza espanta-me. Por uma coisa que ele sabe eu não sei. Ele conhece os movimentos da luz ao longo do dia. Conhece-os profundamente.

Então, faz janelas ou fendas por onde a luz entra e incide num dado lugar no interior, rigorosamente pensado por ele.

É o que acontece na Igreja de Marco de Canavezes, onde cada abertura nas paredes permite à luz incidir sobre o altar. De diferentes formas à medida que o dia escorre. Este detalhe faz com que o espaço se torne especial, banhado de uma luminosidade filtrada, dirigida que lhe confere misticismo, encantamento.

A perfeição nascerá então do equilíbrio entre a natureza e o atento olhar humano?


segunda-feira, outubro 25, 2004

Vertigem


Ondulam as vozes
Pelas ruas
As luzes giram giram
E ventos doces
Esvoaçam as saias
A cabeça anda à roda
E tudo ri à volta
Os braços abertos
Como nos filmes
A voltear sorrindo
Tu e a vertigem
Em mim.



Foto de António Pinto

quinta-feira, outubro 21, 2004

Momentos


Momentos de silêncio
E o tempo pára
Repousa em nós
A leveza da pluma
A brancura doce do algodão.
A brisa é morna e a água brilha
E à nossa volta tudo demora
Poderás dizer-me dos impossíveis
Do não saber o futuro
Mas o que importa?
O ar que nos cerca é tão leve
O encontro tão pleno
Que se forma uma aura.

E convidamos para a nossa mesa
Três passarinhos
Que tranquilamente se acomodaram.

terça-feira, outubro 19, 2004

Sonhos?


Pedi um desejo. Já não me lembro bem qual foi. Não espero que os traços de fumo dos aviões no céu me concedam desejos. Gosto de sonhar. Mas os deuses não concretizam sonhos. Andam ocupados demais para se dedicarem às pequenas coisas que eu quero.

Ouvi dizer que algures em Itália, numa galeria chique de lojas e cafés, existe a imagem de um touro no chão e que, se se girar sobre ela - calcando os testículos do animal - isso trará sorte.
Se fosse a Itália, também colocaria lá o meu pé e daria a necessária volta completa da praxe. Não por acreditar que esse movimento iria trazer-me sorte, mas para me lembrar que estive lá e que - na pedra gasta de dois séculos - estava também presente o meu contributo para a sua erosão.

Isto para dizer que prefiro marcar a minha vida em vários momentos. Os sonhos de nada valem se não os agarrarmos antes de acordar.

sexta-feira, outubro 15, 2004

Peço um desejo?


O céu azul translúcido
Riscado por um traço branco
Metálico e difuso de fumo
Peço um desejo?

No horizonte um rosa suave
Na minha cabeça um pensamento recorrente
O carro a afastar-se depressa na auto-estrada
A mente vagabunda
A vaguear sem prazo nem caminho

Uma música numa língua sem terra
A preencher o espaço entre mim e a ideia

Um fim de tarde como outro qualquer
A regressar não sei bem para onde
E tu algures ausente

Pedi um desejo.



Foto de Rui Vale de Sousa

quinta-feira, outubro 14, 2004

Cristal


Estilhaços de vidros esvoaçam
Dispersam-se as palavras em tornado.
A voz desaprendeu de as dizer.
Fragmenta-se o cristal subtil
Dos laços frágeis.
O corpo encolhe-se como um feto
E tilintam vidros a quebrar.

Transparência dói.
É impossível.
Utopia viver sem protecção.

Mas eu não pedi nada
Não pedi sequer para sentir.
Peço cada segundo simplesmente.
E em cada um peço viver.
Naturalmente .
Olhando e vendo
Como só o sei fazer.

Não quebrem o meu mundo
Não o abatam
Porque eu só pedi para estar aqui.



Foto de Rui Vale de Sousa

terça-feira, outubro 12, 2004

Tempo


No peito formam-se lágrimas
Espelho de gotas que deslizam no vidro
Não sei o motivo desta chuva
Nunca saberei talvez os motivos do tempo
Nunca pensei poder chorar de espanto

No vidro deslizam lágrimas
Nas costas um arrepio de vento
Aconchego a roupa para proteger
E sei que não protejo nada
O frio de lâmina vem de todo o lado
Não lhe consigo fugir nem quero
Não se foge do que se espera.



Foto de Rui Vale de Sousa

segunda-feira, outubro 11, 2004

Poesia


Gastei uma hora pensando em um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.


Carlos Drummond de Andrade


Foto de Rui Vale de Sousa

sábado, outubro 09, 2004

Momentos


Atravesso a cortina
Do sol para a chuva
Fenómeno sem descrição
Luz transformada
em água oblíqua

Deslizando no asfalto
O piano a tocar

O mundo gira
depressa demais

Pára pára
Quero viver tudo

Sim eu sei
Não posso
Entretanto
Dentro de mim
Tudo existe.



Foto de Rui Vale de Sousa

quinta-feira, outubro 07, 2004

Girassol


Pelas ruas da vida caminhando
Vejo-te em cada rosto de quem passa
Não sei bem como de repente passas
Mas não passas eu sei nem passarás
Porque no pensamento nada morre

Poderei um dia esconder-te
Num cantinho do meu sótão
Dentro da caixa dos sonhos
E abrir de vez em quando
Lembrando então nessa hora
Que um dia alguém docemente
Ao invés de rubras rosas
Me daria um girassol

E pelas ruas da vida procurando
Ver-te-ei outra vez em toda a gente
E sorrirei chorando ou encantando
Mas não passas eu sei não passarás
Porque no pensamento nada morre.



Foto de Rui Vale de Sousa

terça-feira, outubro 05, 2004

Tu


Devagarinho vieste
Querendo
Como quem não quer
Dando em frente o passo
E recuando
Surpreendida olhava-te
Como te olharei sempre
Nem sei se és real
Ou se te inventei
Se invento a ternura
Que me dedicas
Se a coloco em ti
E não é nada
Mas que me abrigas
Eu sei
Que em todo o lado
Com toda a distância
O teu sorriso me espreita
E me faz sorrir.



Foto de Rui Vale de Sousa

segunda-feira, outubro 04, 2004

Pedra Filosofal


Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança


António Gedeão


Foto de Rui Vale de Sousa

sábado, outubro 02, 2004

Espiral


Sem senso nem certeza
Os minutos gotejam lentamente
Tiquetacam ritmados
Na sala semi – escurecida
E o pensamento em espiral
Gira estendendo-se
E recolhendo-se flutuando
E não se fazem perguntas
Porque não se querem respostas
Só o tempo deslizando
Encaminhando
Sem pressa nem vertigem
O que tiver que ser
E se não for não seja
O minuto agora pode valer
Por todos os séculos.



Foto de Rui Vale de Sousa

Festa IV


E foi assim que naquela idade fiz muitos amigos. A dançar. Conhecíamo-nos em roda nos momentos em que os pares viravam e ficávamos a dançar com um par desconhecido. Grandes amizades cujos espaços de ano para ano eram preenchidos com cartas e mais cartas. Equivalente a abrir hoje o microsft outlook era esperar naquele tempo pelo carteiro.

Mas a verdade é que o tempo e a popularidade das Festas acabaram por destruir o que as tornou conhecidas. Todavia, a roda anda para a frente e anda novamente para trás e esta descaracterização está a levar muita gente a querer retomar o que se perdeu. Não deixa de ter graça ver pessoas que viveram esse tal espírito no passado e que hoje são executivos, advogados, técnicos, barrigudos, casadíssimos a pegar novamente nas concertinas e a ter vontade de fazer a festa como deve ser. Pela parte que me toca, voltarei com gosto a recordar todos os passos e dançarei na praça com toda a alegria.

Pois bem, estamos no Sítio da Saudade. Nome que não foi escolhido por acaso. Foi a escolha de uma palavra que representa um sentimento muito nosso e que não tem tradução directa nas outras línguas. E, quando se fala de identidade nacional, eu não tenho dúvidas acerca da nossa. Para além da nostalgia tipicamente portuguesa, aqui no Minho, esta alegria também faz parte do que somos. A dança e a música reflectem um espírito vivo e festeiro que encontra uma grande afinidade na nossa vizinha Galiza. Sobre esse assunto poderei falar um dia destes.
À perspectiva da antipatia histórica entre espanhóis e portugueses, gostaria de acrescentar a relação profunda, antiga e muito próxima entre a gente do Minho e da Galiza. Ao ponto de levar os galegos mais ferrenhos da sua autonomia a afirmar que não são castelhanos, mas sim portugueses.

Foto de Rui Vale de Sousa

quinta-feira, setembro 30, 2004

Praia


De imediato o cheiro a sal e a iodo. Valeu a viagem para estar aqui. De todos os lugares era este o único que me apetecia.

E pensar: como se escreveria sobre este momento? Como se diria? E, mais uma vez, as palavras serem tão pouco.

A água verde translúcida a formar-se em ondas. Água a molhar a túnica branca. Formações em tubos, com zonas de transparência e explosões de espuma à minha volta. Um brilho ofuscante que confunde céu e mar. Uma brisa morna a despentear cabelos. Os cabelos com ondas também - de sal e de vento.

E o pensamento quase vazio.

Bebedeira de cheiro e de arrepio de água gelada. Olhos perdidos num traço de gaivotas ao longe. A voar em formação. Um traço nos olhos, um sorriso.

A pensar: todas as histórias têm um fim? Mesmo as que inventei nos meus sonhos?

2004/09/25


Foto de Armando Jorge

quarta-feira, setembro 29, 2004

Festa III


Feiras Novas - festa que até hoje acontece pelas ruas, pelas margens do rio, por todo o lado.

Naquele tempo, a diversão principal girava à volta do folclore. Lembro-me que íamos também para as tascas, rir à gargalhada com os duelos de cantares ao desafio.

Nesta mesma praça, organizávamos rodas enormes e executávamos voltas e voltas milimetricamente aperfeiçoadas. Passávamos a noite assim e cresci a viver as festas desta maneira.

Poderá parecer estranho para quem não conhece, mas a magia das Feiras Novas encerrava-se nesse espírito genuíno e popular, onde a forma de nos divertirmos era andarmos na rua e nas tascas a viver a festa com as pessoas das aldeias e a tentar aprender o máximo acerca da tradição.

Mas agora já não é assim. Embora ainda venham muitos homens com concertinas, a música techno abafa-lhes o som. Agora parece mais que estamos numa mega festa da cerveja e prova disso é que as grandes marcas se degladiam pelo patrocínio.

Quem conhece sabe do que falo: não existia emoção maior do que entrar numa roda de dança. Um dos amigos a comandar a coreografia, a gritar o momento das voltas, dos passos lentos ou acelerados. Com um código próprio. Serrou para abrandar e organizar. Picou para acelerar o ritmo e pôr os braços no ar. Virou para começar a girar vertiginosamente. A música em sintonia. Concertina no serrado e concertina com castanholas no picado e nas voltas.

E não, não pertencia a um rancho folclórico. Era só um grupo de amigos que se juntava e dançava na rua. E sei que muita gente que desprezava estas coisas, na hora de nos ver dançar, daria tudo para estar lá no meio.


terça-feira, setembro 28, 2004

Festa II

Nesse momento lembrei-me da época em que aprendi a dançar folclore minhoto. Muito pequenina. Depois das férias na praia, as noites de Verão eram preenchidas com esta actividade. O irmão de uma amiguinha de infância, verdadeiro purista das coisas do Minho, chegava com os amigos para passar o mês de Setembro por cá e organizava serãos dançantes.

A casa era um belíssimo solar no centro da vila, com claustros e um mui nobre pátio em pedra. Era lá que se dançava e ele tocava concertina. Os grandes ensinavam os pequenos . E lá tirávamos os sapatos e os pezinhos tentavam acompanhar as coreografias complexas, as voltas e as trocas. Rapidamente nos familiarizamos com aquilo, pois de alguma maneira parecia que nos corria nas veias aquele ritmo e energia.

E depois a maior das emoções. As Feiras Novas no terceiro fim-de-semana de Setembro.

segunda-feira, setembro 27, 2004

Festa I


Uma noite quente na esplanada da praça. Subitamente um ruído estridente que surpreendeu. Olho para trás e vejo um grupo de homens com lanternas e uma mulher vestida com o fato de trabalho tipicamente minhoto a puxar por um carro de bois. Os bois com uns olhos enormes e pachorrentos e cornos revirados, com uma canga sobre a cabeça. O carro, totalmente feito em madeira, chiava com o peso do milho. Exactamente igual aos carros antigos que eu via passar nas aldeias quando era miúda. E lá estava a estranha explicação para o ruído que me tinha assustado. Ia acontecer ali na praça uma simulação de desfolhada e eu não sabia.
Pouco de seguida mais uma novidade: concertinas e castanholas! E de repente a noite tranquila de conversa encheu-se de música e de alegria. E o meu pé logo a fugir para a dança. Há coisas que estão na alma e nem sei explicar porquê. Também sou música. Todas as músicas. Até esta. Não resisto a uma concertina e a um par de castanholas.

E começa assim mais uma viagem ao passado.

sábado, setembro 25, 2004

Manhã


Manhã de outono com luz de primavera
Pelos raios de sol deslizam vozes
Meigas doces de músicas que me ensinaste
E vou pela estrada sem saber as horas
Que horas são?
Onde estás agora?
Dedicaste-me este dia e estes raios de sol?
É que te vejo em todo lado
A olhar-me como se fosse uma criança
A brincar e a dizer tolices
E embora tentes manter a compostura
Sorris e não páras de sorrir.



Foto de Rui Vale de Sousa

quinta-feira, setembro 23, 2004

Perguntas


Dás-me licença
De entrar na tua vida
E pendurar na parede da tua sala
A minha janela?
Posso desarrumar tudo
Tirar os sapatos
E estender-me no teu mundo ?
Espalhar nos teus minutos
Toda as dúvidas
Que trago comigo ?
Passear descalça pelo
Corredor das tuas certezas?
Desfazer a tua cama
e dormir atravessada nos teus sonhos?
Posso entrar e sair de casa
Dás-me a chave
E não me marcas horas?

Posso voar ?

Daqui onde estou presa
Para a tua vida inteira?



Foto de Rui Vale de Sousa

terça-feira, setembro 21, 2004

Esperar


Todos os dias
Em que não estiveres
Irei escrever-te um poema
Não direi saudade
Porque nas palavras
Nada do que sinto
Poderá caber
Mas escreverei
Para que num minuto
O meu pensamento frágil
Pouse no teu ombro
E escreverei um poema
Para não esquecer
Que te espero sim
Tranquilamente
Porque tempo não é nada
Já que eu te esperei
A minha vida inteira.



Foto de Rui Vale de Sousa

segunda-feira, setembro 20, 2004

Estranheza

Pergunto
Porquê o teu sorriso
No meio desta música
Porquê a invasão
De um pensamento
Que não me pertence
E que força usaste
Para que a distância os transportasse
E espantam-me as estranhezas
Que desconfio que em permanência existem
Mas que nem sempre vislumbro
No meio do fumo dos canos de escape
E do ruído das buzinas
Nas cidades e em todo o lado
Mas sei que em fracções de tempo
Se cruzam pensamentos e sorrisos invisíveis.

sexta-feira, setembro 17, 2004

...


Silêncio, silêncio, silêncio
No meio da imensidão
De vozes e de agudos
Ferindo a alma perturbando
O fluir do pensamento vagabundo
Sem destino nem direcção.
Intuir respostas
Ignorar palavras
Inventar imagens e nomes
Perseguir uma ideia
Até à exaustão.
Não ter saída nem ver o caminho
E procurar o silêncio
Cheio de sentidos
E encontrar o sentido
cheio de silêncios.



Foto de Rui Vale de Sousa

terça-feira, setembro 14, 2004

A noite caiu


Todo o dia a noite caiu
Negra como breu

E fecharam-se os olhos
Tentando não ver.
Procurando em vão
Encontrar o dia
No meio da escuridão
.


Poema com mote de um amigo ( Maio de 2004 )

Foto de Rui de Vale Sousa

sábado, setembro 11, 2004

Encanto


Encanta-me a tua música
Que me chega de variadas formas
Encanta-me o mundo que respiro no teu ar.
O amor que não existe em matéria.
A tua mão magra tocando piano
Que diz mais de ti do que se dissesses.
O teu sorriso furtivo e vago
A promessa do que não existe.
O deslumbramento do que não se sabe.
Foge sempre para que nunca te alcance
Para que o sonho me faça correr.



Foto de António Pinto

quinta-feira, setembro 09, 2004

Saudade


substantivo feminino

1.melancolia causada pela lembrança de um bem de que se está privado;


2.nostalgia;


3.mágoa que se sente pela ausência ou desaparecimento de pessoas, coisas, estados ou acções; pesar;


4.plural cumprimentos a uma pessoa ausente;


5.plural lembranças;


6.plural BOTÂNICA nome de várias plantas da família das Dipsacáceas e das Compostas, e das flores respectivas;


(Do lat. solitáte, «solidão»)


In Infopedia da Porto Editora


Foto de Rui Vale de Sousa

segunda-feira, setembro 06, 2004

Sudão

Ingrid Jones, do blog Me and Ophelia, é uma inglesa que dedica toda a sua energia a denunciar as atrocidades que estão a acontecer no Sudão. Por sua sugestão, hoje - 2º dia do encontro para a paz no Sudão a decorrer no Japão - decidi dar o meu humilde contributo para recordar este assunto.E, desta forma, a Ingrid organizou um encontro virtual com gente de todo o mundo para nos lembrar o que está a acontecer. É que, embora já não se fale sobre isto nas televisões, continua a morrer gente barbaramente.


"Uma mãe segura a sua filha doente numa clínica dos Médicos sem Fronteiras, perto de Nyala, Darfur, onde a violência e a doença estão a matar milhares de pessoas"
Foto de Evelyn Hockstein/Polaris/Caare. Copyright 2004. The New Yor Times Company



No meu quarto confortável
E quente eu durmo
Eu durmo tranquilamente
E tu morres
Sofrendo horrores que
O meu cérebro não consegue imaginar
Porque todos dormimos tranquilos
E no mesmo minuto a grande dor do planeta
Não nos afecta
Passamos ignorantes pela morte
Indiferentes e silenciosos
E acordamos e pensamos ser felizes
Mas a felicidade está manchada
De sangue e barbárie.

Porque deixamos os desumanos
Tomarem conta do mundo
E não fazemos nada.

sábado, setembro 04, 2004

Parar


Queria pousar o queixo na janela
E ficar tranquila a olhar para a noite
O campo de cereais agora está cortado
E a única árvore lá no canto
Parece ainda mais sozinha.
Em noite de estrelas o céu parece maior
E todos os momentos passados ali
São fortes pela solidão encantada
Pelas conversas de mim para mim
Pelas perguntas deslumbradas de aprender
E saber que as respostas aparecem
Discretas misteriosas
Disfarçadas nas coisas normais
E que há sempre respostas
Mesmo que tardem.



Foto de Sérgio Martins

quinta-feira, setembro 02, 2004

O circo


Com todas as artes do mundo
O circo instalou-se no parque.

Vestidos de polichinelos
Os saltimbancos foram pelas ruas
Anunciar a festa.

Malabaristas atiravam ao ar
bolas de cores exibicionistas.

Cuspidores de fogo
Acendiam o dia com espalhafato.

Crianças corriam atrás
sorridentes e negligenciadas.

Um cavalo branco relinchava
Preso por sujas cordas velhas
E mulheres pintadas passeavam
Os seus corpos musculados
Entre roullotes e tendas rasgadas
Também pelas avenidas, lojas e cafés.

E a multidão esperava pela hora
Do espectáculo.

E o espectáculo acontecia todos os dias
Com toda a gente a formar sorrisos
Que não sentia
Na encenação hipócrita da vida.



Foto de Rui Vale Sousa

terça-feira, agosto 31, 2004

Poema Pequenino

Queria fazer agora um poema
Mas não sei onde ele pára
Fazer contas, verificar saldos
Faz fugir a poesia

Mas ela está cá dentro
Escondeu-se agora

Há-de voltar.


segunda-feira, agosto 30, 2004

Alheamento

Rotina diariamente mecânica
No multibanco distraída automática
Pensamentos subconscientes
Como sonhos

Aparece uma ideia que marca
Que carrega com dedo forte
No peito a respirar alheado

Vais ter que passar isto sozinha
Ninguém pode pegar no teu coração
E viver por ti estes dias
Até que o tempo desfaça todos os nós

A vontade de chorar absurdamente
Sem objectivo nem motivo
Não passa porque saíste de casa
E toda a gente te olha
E te fala

O dia a dia não apaga nada
Distrai simplesmente
Mas no meio dos sonhos
Do errar perdido dos pensamentos
Todas as desilusões estão presentes

E também o medo do que vem ainda.

sexta-feira, agosto 27, 2004

Murmúrio


Suavemente as árvores murmuram
batendo as folhas no meio da brisa.
Nos olhos cintila o sol num sorriso
e da altura o infinito plana.

E um bicho sem nome
num sibilar suave e lento
vem juntar-se ao silêncio.

A tarde escoa lentamente
cheia de luz e de voos invisíveis
flutuando entre o corredor dos montes
rasando a água, fazendo círculos.

E tu comigo.

E eu sozinha.
A respirar devagarinho
juntando o ar da minha alma
ás folhas, ao sopro mágico do vento,
a um bicho qualquer a sussurrar.

E o tempo pára cintilante
e silencioso.

Não respires. Não digas nada.



Foto de Rui Vale de Sousa

quarta-feira, agosto 25, 2004

Saudade


Saudade
Letra de sentir que não se
Canta
Mundo perdido
Fabrica de sonhos

Sinto-a
No teu advir e
Percorro sem passos teu caminho
Porque senão morro

E sei-te aí filha do mundo

Vejo-te
No periscópio da vida
E amo-te
Como a estrela que brilha de dia
Aceno-te um desejo
A ti
Que és sempre meu
Beijo



A foto é do Rui Vale de Sousa , o poema é do mesmo poeta de ontem )

terça-feira, agosto 24, 2004

Dedicatória

Na solidão da presença que não tenho
Penso-te retrato de sofá

Guardo-te branca d’imaculada
Sorrisos de vento em prosas mil
Vejo-te simples e dourada
Vejo-te linda e incontrolado

Por entre agrestes desafios não atingidos
Prometo beijar o ar que respirares
Suspiro excertos de conversa fiada
E olho
E vejo delirante beleza em teu leito

Sinto-me perdido ali tão perto
Teus olhos mais profundos do que desejo
Teu corpo mais belo do que o ensejo

Treme-me a voz que não sabe o que diz
Fixa-me o chão que já fugia
Beijo o rosto delicioso
Aspiro o perfume que nunca vi …

E arrojo !

Olho-te nos olhos com disfarçada coragem
E arrepio …
Fascinam-me olhos tão profundos,
Aprisiona-me sua carícia imensa
Como beleza intensa

Soube-te ali divina !

Saltaste de ímpeto pela cama fora
E aconchegaste-me a ti na brancura do sofá.

Sofri-te em cada olhar
Perdi-te em cada segundo
Mordi-te toda toda em sonhos de mundo

Mataste-me ali de bravura
Em cada gesto que me deste
Em cada sorriso que parou o mundo
Arremessaste-me toda tua ternura
E deixaste meu olhar
Sôfrego sofrer tua beleza
Como se fosses mar tranquilo
Acalmaste minha fome
E deixaste a alma sentir em ti a vida

Descobri tuas mãos …
Descobri mil maravilhas desconhecidas
Encantaste meu encanto com firmeza
Trouxeste ao mundo tanta beleza …

Te conheço ainda hoje
Plena
Plena e pura
Nesse cenário de mundo em corredor
Nesse recanto de sofá abotoado
Vivo de memória cada segundo
Recordo-te como um mundo …





( um dia dedicaram-me este poema...)

sexta-feira, agosto 20, 2004

Os meus olhos

Tenho olhos pequenos
De forma amendoada
Sinto-os tristes
Sei que os vêem tristes.

Tenho olhos banais
Pintados de sonhos.
A tristeza dentro deles
Não lhes diz respeito.

Se os habita a saudade
Não sei.
Se a esperança os adoça
Ignoro.

Sei que vêem o que não peço
Que mostram o que não quero
São os meus olhos
Sempre em busca da verdade.

Sempre a tentar encontrar
O desejado no meio do nevoeiro.

Saudade do futuro.
Do momento em que tudo ressurgirá.

quinta-feira, agosto 19, 2004

Pessoas - Domingos António

“ O maestro Vitorino de Almeida diz que é um fora de série. O melómano Duarte Lima chama-lhe “ um jovem artista genial “, dotado de “ talento absoluto”. O divulgador musical António Cartaxo, um obcecado pela obra-prima de Mussorgsky “ Quadros de uma exposição “, pergunta-se se não gostará mais de ouvir a interpretação dele, do que a de Richter, o lendário pianista. Domingos António, 26 anos, obteve a nota máxima no Conservatório de Moscovo. Sem dinheiro nem piano, ensaiou durante o último ano batendo com os dedos no tampo da mesa da sala, na casa dos pais, em Bragança. Amigos organizaram-lhe dois concertos para quatrocentos convidados. Convencidos de que uma estrela vai nascer no firmamento pianístico. “

“ Horrível ( viver sem um piano para tocar ). Mas tem que se ter paciência. Tenho boa memória. Toco na mesa, na cabeça, faço exercícios com os dedos. Posso não tocar seis meses, chegar a um piano e em dois, três dias, já estou ( em forma ).”

“ Sem música a vida não tem sentido. A música é a maneira de organizar as nossas ideias e os nossos desejos mais fortes. E condensar. E formular. “

In Pública, 21/03/2004, reportagem de Adelino Gomes

terça-feira, agosto 17, 2004

Impressão Digital


Os meus olhos são uns olhos.
E é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos
onde outros, com outros olhos,
não vêem escolhos nenhuns.

Quem diz escolhos diz flores.
De tudo o mesmo se diz.
Onde uns vêem luto e dores
uns outros descobrem cores
do mais formoso matiz.

Nas ruas ou nas estradas
onde passa tanta gente,
uns vêem pedras pisadas,
mas outros, gnomos e fadas
num halo resplandecente.

Inútil seguir vizinhos,
querer ser depois ou ser antes.
Cada um é seus caminhos.
Onde Sancho vê moinhos
D. Quixote vê gigantes.

Vê Moinhos? São moinhos
Vê Gigantes? São gigantes.

António Gedeão


( imagem retirada da internet )